Poesias catalãs

Joana Raspall (1913 – 2013) foi uma poetisa, escritora, lexicóloga e bibliotecária catalã. Apesar de ser reconhecida principalmente pelas suas poesias infantis, também escreveu para adultos. Dentro da sua obra, encontramos peças de teatro, contos e romances.

O banho

A boneca de pano

de que mais eu gostava

perdeu toda a cor

porque eu a lavei.

Quando a mãe me lava,

eu também tenho medo

de perder minha cor

com a água e o sabão.

Todo dia eu me olho…

mas vejo que não.


Amigo, quer vir?

Fugir do barulho

e buscar a calma

pra compartilhar

as nossas palavras.

Bem poucas falar,

mas bem escutadas,

o coração em paz

e a luz na mirada.

Amigo, quer vir?

A tarde é tão clara!


Oferta

Encontrei muitas palavras

que têm o som da poesia;

pra juntá-las num concerto,

meu peito não bastaria.

Podemos compartilhá-las

enquanto segue a leitura.

Vem fazer esse concerto,

lendo elas com ternura.


Estou com ciúme

dessa imagem minha

que você traz consigo.

Entre você e ela,

a dúvida não incomoda,

e nem mesmo a distância.

Somos, eu e ela, exatamente a mesma coisa?


Joan Alcover i Maspons (1854-1926) foi um poeta, ensaísta e político maiorquino. Sua obra poética foi voltada, principalmente, para a reflexão sobre a dor e a tragédia humana.

A sua obra principal foi A Balanguera, que talvez seja a poesia mais popular em terras catalãs. Numa alusão aa figura mitológica das Parcas, fala da Balanguera (Fiandeira, em português), que produz o fio da vida, tecendo o futuro de todos nós.

Dentre as várias versões musicais feitas, sugerimos a interpretada por Maria del Mar Bonet, com música de Amadeu Vives. Clique aqui para escutá-la.

A Fiandeira

Uma fiandeira misteriosa,

como uma aranha de artes mil,

vai recolhendo da sua roca,

da nossa vida puxa o fio.

Como uma parca tece a tela,

de um amanhã que vai chegar.

A Fiandeira fia, fia,

a Fiandeira vai fiar.

Voltando os olhos para trás,

observa a sombra dos ausentes.

Da primavera que vai vir,

descobre onde guarda a semente.

Sabe que o tronco mais se eleva,

quanto mais fundo se enraizar.

A Fiandeira fia, fia,

a Fiandeira vai fiar.

Assim que o casal se enamora,

já vai desenhando as crianças.

Vê como descem ao jazigo,

as mais alegres esperanças

daqueles que no meio da praça

ficam a cantar e a dançar.

A Fiandeira fia, fia,

a Fiandeira vai fiar.

Na volta do fuso, o fio enlaça,

e ao recordar-se da nação,

detrás da sarja do capote,

sente pulsar seu coração.

Dentro da quieta noite escura,

desfia a aurora de par em par.

A Fiandeira fia, fia,

a Fiandeira vai fiar.

De tradições e de esperanças,

tece a bandeira catalã,

como quem faz o véu da noiva,

semente feliz do amanhã.

Da meninice que se eleva

e da velhice a terminar,

a Fiandeira fia, fia,

a Fiandeira vai fiar.


Miquel Martí i Pol (1929 – 2003) foi um poeta, escritor e tradutor catalão. Os seus poemas falam da vida interior e da luta contra um sistema que considera injusto.

Publicou mais de 1500 poemas, dos quais podemos destacar: “El meu país”, “Estimada Marta”, “30 poemes en 3 temps” e “Un hivern plàcid.”

Leonor

A Leonor tinha

catorze anos e três horas

quando começou a trabalhar.

Essas coisas ficam

dentro do sangue pra sempre.

Ainda trazia tranças,

e dizia: “Sim, senhor” e “Boa tarde”.

Era querida por todos,

a Leonor, tão meiguinha,

que cantava enquanto

remexia a vassoura.

Mas os anos lá na fábrica

se dissolvem no opaco

cinzento das janelas,

e logo a Leonor não soube

de onde é que vinha

a vontade de chorar,

nem aquela irresistível

sensação de solidão.

As mulheres diziam que

ela tinha crescido, e que os males

iam sarar casando e tendo filhos.

A Leonor, conforme a sábia

previsão dessas mulheres,

cresceu, casou e teve filhos.

A primeira, uma menina,

há exatamente três horas,

tinha feito os 14 anos,

e começou a trabalhar.

Trazia tranças ainda,

e dizia: “Sim, senhor” e “Boa tarde”.

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